Dra. Rita de Cássia Monteiro Marzullo
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De uma forma geral, o uso da terra é um tipo de categoria de impacto, oriunda da intervenção antrópica, que envolve tanto a ocupação quanto a transformação da terra para uma determinada atividade econômica ou cultural. De uma forma mais abrangente, o uso da terra também pode considerar sua função reguladora de equilíbrio dos serviços ecossistêmicos, causando assim uma externalidade positiva.
O Brasil possui 8,5 milhões de km2 de área mapeada com 14 classes de cobertura cuja evolução territorial de mudança no uso da terra é apresentada na Tabela 1. Desta forma, temos 196 tipos de mudanças possíveis (14×14) além de classes relacionadas tanto à ocorrência de processos improváveis (transformação de áreas artificiais em vegetação florestal, por exemplo) como aprimoramentos metodológicos, denominadas classes de reavaliação. A matriz de mudanças é gerada a partir do Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil feito pela Diretoria de Geociências do IBGE a partir da aquisição e processamento de imagens orbitais OLI/Landsat-8, na qual são feitas montagens dos blocos 450kmx450km para a interpretação visual das imagens e compatibilização com o mapa de vegetação e corpos hídricos. Por fim, os dados são divulgados na Grade Estatística, que divide o território brasileiro em células de 1 km² tornando-se um importante instrumento de gestão territorial e planejamento ambiental capaz de identificar tipos de expansão (agrícola, pastoril, urbana ou de silvicultura) assim como o ritmo e vetores preferenciais de ocupação das terras. Consequentemente, também apontam e quantificam espacialmente as perdas da vegetação nativa, seja ela florestal ou campestre. No período de 18 anos (2000 a 2018) apresentado na tabela 1, observou-se no Brasil a redução de 7,60% da área de vegetação florestal e de 10,06% da área de vegetação campestre, e o aumento de regiões de uso humano, com expansão de 27,11%, 44,84% e 70,06% nas áreas destinadas, respectivamente, às pastagens com manejo, à produção agrícola e à silvicultura. (IBGE, 2017, 2018, 2020 e 2021)
TABELA 1- Fonte: PGI – Plataforma Geográfica Interativa – IBGE
Os impactos ambientais provenientes da mudança no uso da terra incluem desde a contribuição para a mudança do clima no planeta (através da emissão de Gases de Efeito Estufa – GEE que causam o aquecimento global), perda da biodiversidade, degradação e erosão do solo, esgotamento de recursos naturais, até a mudança na disponibilidade de água. Emissões ou remoções de GEE acontecem em processos de mudanças dos estoques de biomassa e matéria orgânica existente acima e abaixo do solo, além de emissões por queima de resíduos florestais. Por exemplo, a conversão de floresta para pastagem ou agricultura gera emissões de CO2 pela perda de estoques de carbono na retirada da floresta e sua queima. De forma semelhante, pode haver sequestro de CO2 da atmosfera quando acontece a conversão para um tipo de uso com maior estoque de carbono por hectare. O impacto sobre a mudança no clima é quantificado pelo conceito de carbono equivalente no processo de emissões de GEE. Por exemplo, de acordo com o método GWP-AR5 do relatório do IPCC, a emissão de 1 kg de metano (CH4) equivale ao efeito decorrente da emissão de 28 kg de CO2 e a emissão de 1 kg de óxido nitroso (N2O) corresponde ao efeito equivalente a emissão de 265 kg de CO2. O metano é emitido para a atmosfera, em grande parte, por animais criados em sistemas pecuários e pastoris enquanto o óxido nitroso é emitido a partir do ciclo do nitrogênio e intensificado com o uso de fertilizantes nitrogenados, como o NPK e a amônia, em sistemas agrícolas, além da queima de resíduos florestais.
A Figura 1 mostra as externalidades positivas (remoção de CO2) e negativas (emissão de CO2) por categoria de mudança do uso da terra ao longo do período de 1990 a 2019, entretanto não considera as emissões do ciclo do nitrogênio. Em uma Avaliação do Ciclo de Vida, os impactos relacionados às intervenções antrópicas sobre o uso de uma determinada área estão relacionados de acordo com a finalidade do uso da terra como: extração de recursos para serem usados como matérias-primas e insumos (água e mineração), processos de produção (industrial ou agropecuária), processos de uso (residencial ou lazer), processos de tratamento de resíduos (aterros sanitários, áreas de incineração), processos de produção energética e transporte (estradas). Cada finalidade de uso da terra proporciona diversos impactos, uma vez que a biodiversidade, o clima e os ecossistemas (aquáticos e terrestres) são influenciados de forma positiva ou negativa. Para uma avaliação do impacto sobre as mudanças no uso da terra no Brasil se faz necessário estabelecer um estado de referencia no tempo (antes e após a mudança) de determinada função territorial.
EMISSÕES EM MILHÕES DE TONELADAS DE CARBONO EQUIVALENTE (GWP-AR5) POR CATEGORIA DE MUDANÇA DO USO DA TERRA AO LONGO DO PERÍODO DE 1990 A 2019
FIGURA 1- Fonte: SEEG 8 – Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa
As principais causas das mudanças no uso da terra no Brasil consistem na expansão de fronteiras produtivas (agropecuária, energia, extração de recursos e indústrias) ou expansão de fronteiras de uso (moradia e lazer) que requerem maior mobilidade com a construção de novas estradas para acompanhar o desenvolvimento econômico e populacional do país. A Tabela 1, apresentada anteriormente, apesar de não possuir dados da gestão do atual governo, mostra de maneira clara a expansão ou retração das fronteiras das diferentes classes analisadas, com exceção das fronteiras de mineração e produção energética, não retratada pela análise do IBGE. A competição pelo uso da terra está diretamente relacionada à existência de recursos naturais e dependendo da ocupação e transformação requerida para determinada finalidade, existe uma cadeia de causas e efeitos que ocasiona impactos em um ponto denominado médio (regulação do clima, da água e da erosão, que causam danos à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos) e em um ponto final de impacto causando danos à saúde humana, esgotamento de recursos naturais e danos na qualidade dos biomas. A perda da função agricultável da terra, em função da erosão do solo, também é caracterizada como uma causa para a mudança no uso da terra. Uma atividade de agricultura convencional e intensiva, por exemplo, pode provocar a erosão e degradação do solo em uma taxa 100 vezes maior do que a natureza é capaz de regenerar.
Tendo em vista as externalidades positivas e negativas que as diferentes mudanças no uso da terra no Brasil podem gerar através de seus impactos, os desafios a serem estudados e gerenciados pelas instituições de pesquisa, em conjunto com os órgãos de planejamento, controle e de governança, constituem considerar que a dinâmica espacial de alterações das formas de ocupação e transformação do território brasileiro está relacionada a fatores econômicos, ambientais, históricos e culturais de cada região específica. Estes fatores sugerem diferentes interpretações uma vez que estas mudanças ocorrem de forma não linear ao longo do tempo. A incorporação de áreas de mineração, com o mapeamento de atividades de extração (atual e potencial) dos diferentes recursos minerais pertencentes em solo brasileiro, por bacia hidrográfica, também consiste um grande desafio de monitoramento. A forma comportamental heterogênea das diversas regiões brasileiras potencializa os desafios para reduzir os impactos das mudanças no uso da terra no Brasil uma vez que sugere a necessidade de uma visão sistêmica no tratamento da função de cada unidade territorial dentro do sistema econômico e dentro do ecossistema global do Planeta Terra, pois refletem efeitos diretos para a população mundial, na qual estamos inseridos. Os desafios apresentados também geram oportunidades para a redução de impactos através da regularização do comercio de créditos de carbono, sejam através de reflorestamento ou reduções de emissões associadas a processos de conter o desmatamento ou incentivar projetos de eficiência produtiva e eficiência energética. Nosso futuro comum depende de nossas ESCOLHAS.
REFERÊNCIAS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil 2000-2010-2012-2014
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101469.pdf
Rio de Janeiro, 2017 Acesso em 25 de setembro de 2021
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil 2014-2016
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101625.pdf
Rio de Janeiro, 2018 Acesso em 25 de setembro de 2021
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil 2016-2018
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101703.pdf
Rio de Janeiro, 2020 Acesso em 25 de setembro de 2021
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Monitoramento da cobertura e uso da terra : estatísticas desagregadas por unidades da federação : 2000/2018 / IBGE, Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101790.pdf
Rio de Janeiro, 2021 Acesso em 25 de setembro de 2021
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do Brasil – PGI – Plataforma Geográfica Interativa
https://www.ibge.gov.br/apps/monitoramento_cobertura_uso_terra/v1/
Acesso em 25 de setembro de 2021
SEEG 8 – Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa – Nota Metodológica – Setor Mudança de Uso da Terra e Florestas – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) – Fevereiro, 2021 – Acesso em 25 de setembro de 2021
https://seeg-br.s3.amazonaws.com/Documentos%20Analiticos/SEEG%208%20com%20Municipios/Nota_Metodologica_SEEG8_MUT_v2.1__com_Anexo_Munic%C3%ADpios__-_02.2021.pdf